Limitações ao direito potestativo do empregador

HEITOR CORNACCHIONI • 6 de janeiro de 2021

Próxima de completar 30 anos, desde sua promulgação em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil finalmente parece ganhar efetividade e começa a ser entendida como o norte de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Por se tratar de uma Constituição analítica, que regula quase todas as relações da vida interpessoal, as questões, quando judicializadas, invariavelmente deságuam no Supremo Tribunal Federal, que na quadra atual ganhou especial protagonismo.

Com o Direito do Trabalho não foi diferente. Os direitos sociais foram inseridos no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, e se constituem em cláusula pétrea da Lei Maior. Sendo eleitos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito.

Mas sem dúvida nenhuma, o vetor máximo da hermenêutica constitucional é o princípio da dignidade da pessoa humana, também inserido no artigo 1º da Constituição de 88, como fundamento da República e do Estado de Direito.

Para alguns doutrinadores, a dignidade da pessoa humana é um supraprincípio, estando acima e norteando todos os demais princípios constitucionais (Rizzatto Nunes, in O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009).

Dentro dessa realidade, o trabalho humano, obviamente, passa a ter uma proteção especialíssima, que não tem passado ao largo das decisões da Justiça do Trabalho.

Sendo a subordinação do empregado ao empregador o elemento primordial do contrato de trabalho, a ela vem atrelado, indissociavelmente, o chamado direito potestativo do empregador, que em linhas gerais indica o direito que não comporta contestação, senão da própria Lei. Ou seja, o empregador pode tudo aquilo que não esteja proibido pela lei ou pelo contrato, ou que tenha objeto ilícito.

Normalmente, o direito potestativo do empregador se manifesta claramente na dispensa do empregado que não detenha alguma estabilidade no emprego, seja ela conferida por lei, pelo contrato ou por norma coletiva. O empregador decide desligar o empregado do seu quadro de funcionários, e contra isso o trabalhador nada pode fazer.

Contudo, tendo como vetor o princípio da dignidade da pessoa, aliado ao princípio da função social da empresa, também de índole constitucional, o direito potestativo do empregador vem encontrando limites. O que, aliás, já decorreria da aplicação da Convenção nº 158 da OIT (“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”), tratado internacional do qual o Brasil é signatário, que, no entanto, não se tornou efetivo e vem sendo objeto de grande discussão perante o Poder Judiciário.

Pacificou-se na jurisprudência dos tribunais, por exemplo, que nas dispensas coletivas, o empregador não pode ultimá-las senão mediante imprescindível negociação com o sindicato da categoria profissional dos trabalhadores. O que, a partir da vigência da Lei 13.467/17 (reforma trabalhista), deixará de ser aplicado, caso se confirme a constitucionalidade do artigo 477-A, inserido pela novel legislação.

Indo mais além, a jurisprudência vem impondo limitações ao direito potestativo do empregador não apenas nas chamadas dispensas coletivas, como também nas dispensas individuais de empregados não estáveis, com esteio nos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, na função social do contrato e na teoria do abuso de direito (Código Civil, arts. 421 e 187).

Casos típicos na Justiça do Trabalho são os dos empregados não estáveis que sejam portadores de doenças graves, que causem estigma ou preconceito, em que se enquadram, indiscutivelmente, os portadores de câncer ou HIV.

Mas a limitação ao direito potestativo do empregador não tem se fixado apenas aos casos de portadores de doenças graves, como se poder verificar de recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (link abaixo), que confirmou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, que determinara a reintegração de uma empregada não estável de um banco, dispensada por ter se recusado a pagar um cheque falso por ela recebido. Nesse emblemático precedente o Relator do caso, Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, ressaltou que o direito do empregador de rescindir o contrato de trabalho imotivadamente não é absoluto e não pode ser exercido de forma abusiva, em clara aplicação do artigo 187 do Código Civil, que considera que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Dessa forma, resta evidente que, a despeito de um claro movimento de flexibilização e desregulamentação da legislação trabalhista, tal movimento encontra severo óbice nas disposições constitucionais, notadamente nos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, e na função social da empresa e do contrato.

Por HELENA JACOB BOIM 23 de agosto de 2024
No Brasil, a legalidade das casas de bingo é um tema controverso e historicamente marcado por idas e vindas na legislação. Na década de 1990, bingos e outras formas de jogo eram permitidos, com a regulamentação dada pela Lei Zico (Lei nº 8.672/1993) e posteriormente pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998). No entanto, em 2004, com o Decreto nº 9.981/2004, foi suspensa a exploração deste ramo em todo o território nacional, sob a alegação de que estas atividades contribuíam para a lavagem de dinheiro, sendo então considerada atividade ilícita, com enquadramento penal, segundo o art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Desde então, a exploração de bingos permaneceu proibida no Brasil, apesar de algumas iniciativas legislativas tentaram regularizar novamente essa atividade. Sem sucesso até o momento, o debate continua em alta, especialmente com o avanço de plataformas de apostas online. É nesse sentido que, em recente decisão, a Justiça do Trabalho, por meio da 12ª Turma do TRT da 2ª Região, negou provimento a recurso de funcionária de casa de bingo que buscava o reconhecimento de vínculo empregatício e pagamento de verbas trabalhistas, concluindo pela nulidade do contrato de trabalho, uma vez que a atividade desempenhada se deu em contexto ilícito. A funcionária alegou que foi contratada por uma sociedade beneficente para atuar no manejo de cartelas de jogo em duas unidades localizadas na capital paulista, sem registro formal. Além do reconhecimento de vínculo de emprego, ela buscava o pagamento de horas extras, adicionais noturnos, diferenças salariais, entre outras verbas rescisórias. A entidade filantrópica, na contrapartida, alegou nunca ter contado com os serviços da trabalhadora nem ter tido envolvimento com o bingo, versão confirmada por prova testemunhal, não tendo sido possível demonstrar a natureza beneficente da atividade, o que legitimaria, em tese, sua atuação. Segundo o desembargador-relator do acórdão, Doutor Jorge Eduardo Assad, é preciso se atentar a distinção entre trabalho ilícito e proibido. Conforme consta do acórdão: "(...) o primeiro diz respeito àquele cuja ilicitude está presente em seu objeto, ou seja, a própria atividade enquadra-se em um tipo legal penal ou concorre para ele, a exemplo do tráfico de drogas, e jogos de azar não autorizados por lei como os bingos e o chamado "jogo do bicho" (OJ nº 199 da SBDI-1 do C. TST); o segundo, não obstante o desrespeito a norma proibitiva, se refere a restrições decorrentes da condição específica do empregado e não propriamente da atividade exercida, ou seja, o trabalho é lícito, porém, em determinada circunstância, é vedado a fim de resguardar o próprio trabalhador ou o interesse público, como nos casos do trabalho noturno, perigoso ou insalubre do menor." A exploração de bingos apenas não será considerada ilícita se houver autorização específica das autoridades competentes, conforme disposto no art. 4º da Lei nº 5.768/71. Como o serviço realizado pela autora estava diretamente ligado a atividade considerada ilícita, o contrato de trabalho foi considerado nulo, sem gerar efeitos jurídicos, conforme consta da Ementa: "PARTICIPAÇÃO DO EMPREGADO NA ATIVIDADE ILÍCITA. BINGO. OBJETO ILÍCITO. CONTRATO NULO. Comprovada que a atividade desempenhada pela reclamante estava ligada à atividade ilícita desenvolvida pela reclamada - casa de bingo, deve ser reconhecida a nulidade do contrato por ausência de objeto lícito, o que torna sem efeito o pacto celebrado entre as partes. Recurso não provido." Além dos requisitos da subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade, previstos na CLT, a relação de emprego deve obedecer aos elementos essenciais do contrato. De acordo com o art. 10 do Código Civil, a validade é condicionada à capacidade das partes, à licitude do objeto e à forma prescrita ou não vedada em lei. Assim, diante da ilicitude do objeto do contrato de trabalho, o reconhecimento do contrato de trabalho foi declarado improcedente, bem assim todos os demais pedidos a esse reconhecimento correlatos.
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MUITA ATENÇÃO ! CUIDADO COM GOLPES VIA WHATSAPP !
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Em bom tempo a LGPD veio para salvaguardar os dados pessoais dos candidatos envolvidos em processos seletivos. A questão já vinha sendo tratada há algum tempo no Poder Judiciário, notadamente em ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho. Com a chegada da LGPD, parecer estar definitivamente solucionado o controvertido uso de dados pessoais em processos seletivos. E a Justiça do Trabalho dela tem se valido para impedir o compartilhamento desses dados. No caso em análise, o Tribunal Superior do Trabalho, por sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, valeu-se da LGPD para garantir a inviolabilidade dos dados da vida privada dos candidatos.
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Publicado no Clipping da AASP em 03/05/2021
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