Limitações ao direito potestativo do empregador
Próxima de completar 30 anos, desde sua promulgação em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil finalmente parece ganhar efetividade e começa a ser entendida como o norte de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Por se tratar de uma Constituição analítica, que regula quase todas as relações da vida interpessoal, as questões, quando judicializadas, invariavelmente deságuam no Supremo Tribunal Federal, que na quadra atual ganhou especial protagonismo.
Com o Direito do Trabalho não foi diferente. Os direitos sociais foram inseridos no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, e se constituem em cláusula pétrea da Lei Maior. Sendo eleitos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito.
Mas sem dúvida nenhuma, o vetor máximo da hermenêutica constitucional é o princípio da dignidade da pessoa humana, também inserido no artigo 1º da Constituição de 88, como fundamento da República e do Estado de Direito.
Para alguns doutrinadores, a dignidade da pessoa humana é um supraprincípio, estando acima e norteando todos os demais princípios constitucionais (Rizzatto Nunes, in O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009).
Dentro dessa realidade, o trabalho humano, obviamente, passa a ter uma proteção especialíssima, que não tem passado ao largo das decisões da Justiça do Trabalho.
Sendo a subordinação do empregado ao empregador o elemento primordial do contrato de trabalho, a ela vem atrelado, indissociavelmente, o chamado direito potestativo do empregador, que em linhas gerais indica o direito que não comporta contestação, senão da própria Lei. Ou seja, o empregador pode tudo aquilo que não esteja proibido pela lei ou pelo contrato, ou que tenha objeto ilícito.
Normalmente, o direito potestativo do empregador se manifesta claramente na dispensa do empregado que não detenha alguma estabilidade no emprego, seja ela conferida por lei, pelo contrato ou por norma coletiva. O empregador decide desligar o empregado do seu quadro de funcionários, e contra isso o trabalhador nada pode fazer.
Contudo, tendo como vetor o princípio da dignidade da pessoa, aliado ao princípio da função social da empresa, também de índole constitucional, o direito potestativo do empregador vem encontrando limites. O que, aliás, já decorreria da aplicação da Convenção nº 158 da OIT (“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”), tratado internacional do qual o Brasil é signatário, que, no entanto, não se tornou efetivo e vem sendo objeto de grande discussão perante o Poder Judiciário.
Pacificou-se na jurisprudência dos tribunais, por exemplo, que nas dispensas coletivas, o empregador não pode ultimá-las senão mediante imprescindível negociação com o sindicato da categoria profissional dos trabalhadores. O que, a partir da vigência da Lei 13.467/17 (reforma trabalhista), deixará de ser aplicado, caso se confirme a constitucionalidade do artigo 477-A, inserido pela novel legislação.
Indo mais além, a jurisprudência vem impondo limitações ao direito potestativo do empregador não apenas nas chamadas dispensas coletivas, como também nas dispensas individuais de empregados não estáveis, com esteio nos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, na função social do contrato e na teoria do abuso de direito (Código Civil, arts. 421 e 187).
Casos típicos na Justiça do Trabalho são os dos empregados não estáveis que sejam portadores de doenças graves, que causem estigma ou preconceito, em que se enquadram, indiscutivelmente, os portadores de câncer ou HIV.
Mas a limitação ao direito potestativo do empregador não tem se fixado apenas aos casos de portadores de doenças graves, como se poder verificar de recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (link abaixo), que confirmou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, que determinara a reintegração de uma empregada não estável de um banco, dispensada por ter se recusado a pagar um cheque falso por ela recebido. Nesse emblemático precedente o Relator do caso, Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, ressaltou que o direito do empregador de rescindir o contrato de trabalho imotivadamente não é absoluto e não pode ser exercido de forma abusiva, em clara aplicação do artigo 187 do Código Civil, que considera que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Dessa forma, resta evidente que, a despeito de um claro movimento de flexibilização e desregulamentação da legislação trabalhista, tal movimento encontra severo óbice nas disposições constitucionais, notadamente nos princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, e na função social da empresa e do contrato.

