A Saga dos Precatórios:  Atentado ao Estado de Direito

HEITOR CORNACCHIONI • 6 de janeiro de 2021

Publicado em 24/01/2018 - Valor Econômico

É princípio basilar do Estado Democrático de Direito a independência e harmonia entre os Poderes (CF, art. 2º). Disso decorre, logicamente, que os Poderes devem, reciprocamente, respeitar e observar as decisões emanadas de cada um, dentro das respectivas competências.

É inconcebível em um Estado de Direito que o Poder Executivo deixe de cumprir as decisões do Poder Judiciário, em que a Administração é condenada a pagar ou indenizar danos por ela causados a pessoas físicas ou jurídicas.

Mas é isso o que vem acontecendo no País há mais de duas décadas. Estados federados e Municípios simplesmente deixam de cumprir as condenações judiciais, executadas por meio dos chamados “precatórios”, sob o olhar indignado dos jurisdicionados, da advocacia e do próprio Poder Judiciário. Mas nada é feito, por quem poderia fazer.

De tempos em tempos, com a ajuda do conluiado Poder Legislativo, editam-se emendas constitucionais em que, a pretexto de regularizar a situação, os entes federados na verdade buscam, isto sim, e conseguem, protelar cada vez mais o pagamento das suas dívidas, institucionalizando a moratória ou calote.

O artigo 100 da Constituição da República, que regula o pagamento dos precatórios é, com certeza, um dos mais vilipendiados por periódicas e no fundo inconstitucionais emendas do poder constituinte derivado.

Objetivando (e assim conseguindo) frustrar a obrigação constitucional de pagamento até o final do exercício seguinte ao da expedição do precatório, vieram as nefastas Emendas nº 30/2000, 37/2002, 62/2009 e 94/2016.

E vem aí mais uma Emenda: a PEC que tramita sob o nº 212-A, já aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados, dando aos entes da administração mais 6 anos de moratória!

O Estado de São Paulo, pelo chefe do Executivo divulga, publicamente, a versão de que está sendo reduzido o estoque de precatórios, quando na verdade, não vem sendo pago nem sequer os juros da dívida total. Os valores transferidos pelo Governo do Estado ao Tribunal de Justiça de São Paulo não são suficientes nem para o pagamento das preferências de idosos e portadores de doenças graves.

A situação dos precatórios é de tal forma absurda, que o “guardião da Constituição”, o Supremo Tribunal Federal, em março de 2015, ao julgar inconstitucional a Emenda Constitucional nº 62 (que prorrogava indefinidamente o prazo para pagamento da dívida), naquela oportunidade concedeu aos entes da Federação o prazo até 31/12/2020 para a quitação total dos precatórios, ou seja, para que a conta fosse colocada em dia até o final de 2020, concedendo, assim, mais 5 anos de moratória.

Não satisfeito, um ano depois da decisão do STF, o Poder Legislativo, por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº 212/2016, de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP), em absoluta afronta à Suprema Corte, propôs um novo regime especial para pagamento dos precatórios, dando aos entes da administração mais 10 anos para o pagamento da dívida!!!

Vindo agora, após a apresentação de emendas à PEC 212, a ser encaminhado para votação no Senado um substitutivo que prorroga o pagamento até 2024, também em contrariedade ao que decidira o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4357-DF (EC nº 62/2009).

O Estado de São Paulo, que aderira ao regime especial da EC nº 94, de dezembro de 2016, não vem cumprindo ao estabelecido naquele regime, que autorizou o uso dos depósitos judiciais para o pagamento dos precatórios, com vistas à quitação da dívida até 2020, conforme determinado pela Suprema Corte. Sabe-se que os depósitos judiciais estão sendo levantados pela Administração Pública estadual, mas não estão sendo repassados aos Tribunais, responsáveis pela gestão do pagamento. Estima-se que tais depósitos alcancem a monta de 7 bilhões de reais, correspondentes a cerca de 30% do montante total da dívida do Estado.

Mas onde foi parar todo esse dinheiro? Aos credores de precatórios é que não foi entregue, como determina a Constituição.

Em seguidas aparições públicas o Governador de São Paulo sempre afirma que o Estado vem pagando a dívida dos precatórios, o que não passa de uma falácia. Mais uma mentira que há anos vem sendo repetida na mídia, para vender a imagem de uma austeridade financeira que não existe. É fácil dizer que as contas estão em dia quando na verdade não estão sendo pagas.

A sociedade não pode mais aceitar esse descalabro, pois o que está em jogo não é o direito dos incautos credores da Administração Pública, mas sim a própria democracia. O Estado de Direito.

O que falar de uma Nação que se diz democrática, em que o Poder Executivo não paga suas dívidas fixadas e executadas pelo Poder Judiciário? Trata-se de um Estado infrator, que abarrota o Judiciário com demandas repetitivas, adotando medidas manifestamente protelatórias, e que, ao final, não paga seus débitos judicialmente estabelecidos. Muito da demora na solução dos processos judiciais se deve à conduta ilícita e temerária do próprio Estado !

Os Tribunais brasileiros fazem hoje a gestão não de precatórios, mas de espólios, pois os credores do Estado invariavelmente morrem antes de ver satisfeitos os seus créditos.

É preciso divulgar e denunciar essa situação insustentável. Precisamos cobrar dos Poderes Legislativo e Judiciário uma solução definitiva. O Supremo Tribunal Federal tem a obrigação de tomar uma providência, ainda que seja drástica, para a solução do impasse em relação ao pagamento dos precatórios pelos Poderes Executivos estaduais e municipais, sob pena de enfraquecimento ainda maior do já combalido Estado Democrático de Direito, e da triste confirmação de que “le Brésil n’est pas um pays sérieux”.

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No Brasil, a legalidade das casas de bingo é um tema controverso e historicamente marcado por idas e vindas na legislação. Na década de 1990, bingos e outras formas de jogo eram permitidos, com a regulamentação dada pela Lei Zico (Lei nº 8.672/1993) e posteriormente pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998). No entanto, em 2004, com o Decreto nº 9.981/2004, foi suspensa a exploração deste ramo em todo o território nacional, sob a alegação de que estas atividades contribuíam para a lavagem de dinheiro, sendo então considerada atividade ilícita, com enquadramento penal, segundo o art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Desde então, a exploração de bingos permaneceu proibida no Brasil, apesar de algumas iniciativas legislativas tentaram regularizar novamente essa atividade. Sem sucesso até o momento, o debate continua em alta, especialmente com o avanço de plataformas de apostas online. É nesse sentido que, em recente decisão, a Justiça do Trabalho, por meio da 12ª Turma do TRT da 2ª Região, negou provimento a recurso de funcionária de casa de bingo que buscava o reconhecimento de vínculo empregatício e pagamento de verbas trabalhistas, concluindo pela nulidade do contrato de trabalho, uma vez que a atividade desempenhada se deu em contexto ilícito. A funcionária alegou que foi contratada por uma sociedade beneficente para atuar no manejo de cartelas de jogo em duas unidades localizadas na capital paulista, sem registro formal. Além do reconhecimento de vínculo de emprego, ela buscava o pagamento de horas extras, adicionais noturnos, diferenças salariais, entre outras verbas rescisórias. A entidade filantrópica, na contrapartida, alegou nunca ter contado com os serviços da trabalhadora nem ter tido envolvimento com o bingo, versão confirmada por prova testemunhal, não tendo sido possível demonstrar a natureza beneficente da atividade, o que legitimaria, em tese, sua atuação. Segundo o desembargador-relator do acórdão, Doutor Jorge Eduardo Assad, é preciso se atentar a distinção entre trabalho ilícito e proibido. Conforme consta do acórdão: "(...) o primeiro diz respeito àquele cuja ilicitude está presente em seu objeto, ou seja, a própria atividade enquadra-se em um tipo legal penal ou concorre para ele, a exemplo do tráfico de drogas, e jogos de azar não autorizados por lei como os bingos e o chamado "jogo do bicho" (OJ nº 199 da SBDI-1 do C. TST); o segundo, não obstante o desrespeito a norma proibitiva, se refere a restrições decorrentes da condição específica do empregado e não propriamente da atividade exercida, ou seja, o trabalho é lícito, porém, em determinada circunstância, é vedado a fim de resguardar o próprio trabalhador ou o interesse público, como nos casos do trabalho noturno, perigoso ou insalubre do menor." A exploração de bingos apenas não será considerada ilícita se houver autorização específica das autoridades competentes, conforme disposto no art. 4º da Lei nº 5.768/71. Como o serviço realizado pela autora estava diretamente ligado a atividade considerada ilícita, o contrato de trabalho foi considerado nulo, sem gerar efeitos jurídicos, conforme consta da Ementa: "PARTICIPAÇÃO DO EMPREGADO NA ATIVIDADE ILÍCITA. BINGO. OBJETO ILÍCITO. CONTRATO NULO. Comprovada que a atividade desempenhada pela reclamante estava ligada à atividade ilícita desenvolvida pela reclamada - casa de bingo, deve ser reconhecida a nulidade do contrato por ausência de objeto lícito, o que torna sem efeito o pacto celebrado entre as partes. Recurso não provido." Além dos requisitos da subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade, previstos na CLT, a relação de emprego deve obedecer aos elementos essenciais do contrato. De acordo com o art. 10 do Código Civil, a validade é condicionada à capacidade das partes, à licitude do objeto e à forma prescrita ou não vedada em lei. Assim, diante da ilicitude do objeto do contrato de trabalho, o reconhecimento do contrato de trabalho foi declarado improcedente, bem assim todos os demais pedidos a esse reconhecimento correlatos.
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