O atraso em vôos e o STJ

PAULO SÉRGIO CORNACCHIONI • 20 de janeiro de 2021

Direito do consumidor e a jurisprudência do STJ

ATRASO EM VOOS E O STJ

Dentre os acidentes de consumo mais comuns envolvendo o transporte aéreo de passageiros está, sem dúvida, o atraso nos voos  –  até mais frequente que o extravio de bagagens.

A questão ordinariamente posta a análise consiste na responsabilização da empresa aérea por dano moral decorrente do atraso, cuja caracterização vem mais e mais sendo afirmada nos últimos anos por nossos tribunais, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça.

O ponto fulcral desta abordagem nem é a natureza da responsabilidade civil do fornecedor do serviço, que hoje parece ninguém duvidar que seja de ordem objetiva, dado especialmente o disposto nos arts. 927, parágrafo único, e 931 do Código Civil, e nos arts. 14 e 20, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

A configuração do dano moral, contudo, experimentou recente e inusitado questionamento pretoriano, malgrado a jurisprudência viesse há anos acenando para a pacificação no sentido de afirmá-la, como acima se disse.

E é esse o entendimento, da jurisprudência sedimentada, de que partilhamos; aceitamos, enfim, que o caso é sem dúvida de dano moral in re ipsa, que segundo a doutrina mais prestigiada “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum” (Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 3a ed., p. 92).

Em recentíssimo julgamento, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça afastou-se de tal entendimento, que na própria Corte era já corrente.   Foi no julgamento do recurso especial REsp 1.796.716-MG, em 27/08/2019, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que o tribunal proclamou que na “específica hipótese de atraso ou cancelamento de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro”.

Evidentemente não se tem a pretensão de esgotar o tema em espaço tão breve e restrito como o deste artigo, mas chama a atenção desde logo que parece haver influenciado decisivamente o aventado julgamento a ideia de que “a construção de referida premissa [dano moral ‘in re ipsa’ induz à conclusão de que uma situação corriqueira na maioria – se não por dizer na totalidade – dos aeroportos brasileiros ensejaria, de plano, dano moral a ser compensado”.

Como se vê, neste específico julgamento do REsp 1.796.716, a turma julgadora (3ª Turma) reputou que a corriqueira verificação dos atrasos e cancelamentos de voos, sentida diuturnamente nos aeroportos brasileiros, é circunstância capaz de afastar o reconhecimento do dano moral in re ipsa.

Noutros termos pode-se então dizer que, a se adotar a lógica prevalente em tal julgamento, a contumácia das empresas aéreas seria o fundamento bastante para se rejeitar o dano moral in re ipsa.

A construção desse raciocínio, entretanto, nos parece de todo equivocada.

É que não há na história do direito pátrio notícia de hipótese legal na qual a recalcitrância de um sujeitos de direitos e obrigações ao cumprimento de seus deveres conduzisse ao arrefecimento da resposta jurisdicional.

Com efeito, a contumácia do devedor nunca enseja o abrandamento de sua responsabilização.  No mais das vezes, por sinal, resulta em resposta tanto mais veemente do poder de coerção estatal, na proporção direta da recidividade do infrator do ordenamento.

No campo do direito positivado, há dizer que não há lei que catapulte o recalcitrar do obrigado à condição de causa excludente ou mitigadora de sua responsabilização.

Na seara hermenêutica jurídica, tem-se que a recente decisão aqui analisada incorre na impropriedade condenada por Carlos Maximiliano que, em sua consagrada e incomparável Hermenêutica e Aplicação do Direito, advertiu: “deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 11ª ed., 1991, p. 166).

E não parece difícil conceber a absurdidade de uma interpretação que implique em tratar com tanto mais brandura o infrator que tanto mais infringir a lei.

A quimera é tal que, nesse cenário, o conselho a se sussurrar no ouvido das companhias aéreas, para lhes reduzir o risco de responsabilização em juízo, é nunca atrasar poucos voos, mas antes muitos deles.

Nesse cenário, temos por desejável que o resultado do julgamento do REsp 1.796.716 descanse nos anais pretorianos como precedente isolado, como exceção que confirme a regra verificada no entendimento jurisprudencial que se firmou corrente nos últimos anos.

Paulo Sérgio Cornacchioni

Advogado

Procurador de Justiça aposentado

Ex-professor de direito civil da PUC-SP


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